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Diário do Kilimanjaro #9: expectativa x realidade

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“Adorei acompanhar a sua viagem, até fiquei com vontade de ir, mas não sei se é pra mim!”. Várias pessoas me falaram isso (ao vivo e pelas redes sociais) desde que comecei a escrever sobre o Kilimanjaro. Resolvi escrever um post pra esclarecer algumas dúvidas, já que eu mesma achava que essa viagem não era meu estilo há alguns anos. 

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Vou colocar aqui os motivos que me fizeram adiar a viagem, e explicar como foi realmente. O famoso “expectativa x realidade”, que talvez te ajude a bater o martelo ou simplesmente desencanar e planejar outra coisa. Afinal, nada mais chato do que alguém te falar que “tem que fazer isso” ou “tem que conhecer tal lugar”. Eu discordo totalmente. Prefiro explorar o mundo no meu tempo, e como tanto tempo quanto dinheiro são limitados, o ideal é a gente ter certeza de que gosta mesmo de algo, não é mesmo?

Mas vamos aos motivos:

Banheiro

Coloquei em primeiro não por acaso. Era minha principal preocupação, muito maior do que ficar sem tomar banho. Eu sabia que teria um banheiro portátil, mas a gente nunca tem certeza de como é o negócio antes de realmente ver, não é mesmo? Bom, como eu contei no post sobre a estrutura do acampamento, o banheiro “oficial” – com a privada portátil de “fundo falso” dentro de tendas individuais – é bom apenas quando a gente no acampamento e está limpinho. Depois de um tempo, fica tudo acumulado la no fundo, o negócio fica desagradável. Ao longo dos dias eu fui trocando esse banheiro pela fossa séptica que também tinha em todos os acampamentos, um pouco mais afastadas das barracas. A fossa é pública, ou seja, se tiver outras expedições no mesmo acampamento, eles também podem usar. A vantagem é que na fossa o “espaço” pra onde vão as necessidades é bem maior, e é láááaá no fundo. Tem um cheirinho também, mas basta colocar um pouquinho de vick vaporub nas narinas antes de entrar e pronto. A fossa é um buraco no chão, portanto tem que ficar de cócoras (que vamos combinar é até mais agradável). Outra opção, óbvio, é o mato. No entorno do acampamento dá pra fazer xixi tranquilamente (mas não pode fazer número 2 – pode na trilha, mas não perto das barracas). Mais pro fim da expedição já está todo mundo expert em achar um cantinho escondido pra fazer xixi (e, na boa, ninguém está nem aí. Todo mundo está na mesma, todo mundo precisa fazer xixi e cocô, ninguém vai ficar te olhando).

  • Expectativa: achava que ia usar o banheiro portátil pra tudo
  • Realidade: usei apenas no primeiro dia, nos demais apenas quando chegava no acampamento. Preferi a fossa e o mato!
Kilimanjaro
A única parte úmida do trekking, a Floresta (aqui, já perto do portão de saída)

Banho

Nós estávamos em uma expedição de 7 dias, sendo que no sétimo dia era a chegada no hotel. Portanto 6 dias sem banho. No terceiro e quarto dias da expedição, quando ficamos duas noites no mesmo acampamento para fazer aclimatação, rolou banho de caneca (com água quente e tudo), mas pelo que eu sei isso não é comum entre as agências que oferecem viagem ao Kili. E pra ser honesta, pra mim não fez muita diferença. Todas as noites rolava um “banho” dentro da barraca, com lencinhos umedecidos. E tínhamos também água quente em uma bacia pelas manhãs para lavar o rosto (e sempre tinha água quente pra lavar a mão). Levei shampoo seco, desodorante, e ficamos numa boa. O Kilimanjaro tem muita poeira, mas é isso. E a poeira sai fácil com os lencinhos. A verdade é que a gente mal sente falta do banho: o clima é seco, a noite fica frio, sempre trocamos de camiseta, cueca/calcinha, então realmente não rola a sensação de sujeira.

  • Expectativa: achei que ficaria com aquela sensação de pós-corrida todos os dias, precisando de banho urgente
  • Realidade: o clima seco e frio da noite, somado aos lencinhos umedecidos (dica: tome o “banho” logo antes de por pijama, assim o pijama está sempre fresquinho), dão conta do recado. Você só começa a ficar agoniada no último dia, porque passamos pela floresta que é super úmida. Mas aí é o mesmo dia de chegar no hotel. 
Kilimanjaro
Indo em direção ao School Hut, o acampamento base para o ataque ao cume. O Kilimanjaro está no fundo, a esquerda

Não conseguir chegar ao cume

Eu alternei momentos – antes e durante a viagem – de “com certeza eu consigo” e “ferrou, acho que é muito pra mim”. Nossa mente nos prega peças. Por mais que o trekking não seja uma competição – meu grupo era grande e portanto bem diferente, tinha uma turma mais rápida e eu estava sempre pro final, na turma do fundão – a gente começa a se questionar. Antes de ir eu sempre pensava: “imagina ir até lá e não conseguir chegar no cume? Que decepção!”. E quando botei meus pés lá e me dei conta da tarefa que nos esperava, nos dois primeiros dias tive medo de isso realmente não acontecer. Mas aí fui me acalmando, e no fim do segundo dia fiz as pazes com a ideia de que estava ali pra aproveitar o momento. Chegamos no acampamento de 3600 metros, estávamos já acima das nuvens, era maravilhoso. A cantoria e a dança da equipe era algo que me emocionava muito, e me dei conta de que estava satisfeita assim. Já estava sendo uma experiência maravilhosa, totalmente nova pra mim, eu estava aproveitando o máximo possível. E se eu não conseguisse, levaria pra casa memórias maravilhosas mesmo assim. 

  • Expectativa: ansiedade de não conseguir chegar no cume
  • Realidade: essa ansiedade atrapalha, e precisamos simplesmente aceitar que é possível que a gente não aguente. Mal de altitude pode afetar qualquer um, então é preciso aproveitar os momentos individualmente, e não pensar na jornada apenas como uma forma de chegar ao cume. 
Kilimanjaro
Acampamento 3, Mawenzi Tarn Hut, onde dormimos duas noites para aclimatação

Dinheiro

Faz alguns anos que queria ir pro Kilimanjaro, e toda vez que sentava com o objetivo de pesquisar preços, desistia logo. É uma viagem cara. Não é algo que tenha uma alternativa. Não dá pra fazer de forma independente: você tem que contratar agência que tenha guias especializados. Só a taxa pra entrar no Parque Nacional do Kilimanjaro já assusta, são 800 dólares por pessoa. E toda expedição, por menor que seja, precisa de uma estrutura. Além dos guias (um a cada duas ou três pessoas), tem a equipe de carregadores (que além de levar nossas duffle bags carregam também toda a infra do acampamento, como comida, barracas, mesas, cadeiras, pratos, banheiro e muito mais) e de assistência no camping (a pessoa que purifica a água, o cozinheiro, a pessoa que limpa os banheiros…). E isso tudo tem um custo. Se você achar algo muito mais barato, desconfie: pesquisa quanto a empresa paga para os carregadores, se eles fazem todas as refeições (por incrível que pareça existem operadoras de turismo no Kilimanjaro que não alimentam direito seus funcionários e nem providenciam roupas adequadas para que façam a expedição com o mínimo de conforto), e também pergunte como é a comida. Nós vimos algumas pessoas comendo lanchinhos frios no caminho ( a gente tinha comida quentinha todo dia), e você precisa de MUITA energia e MUITAS calorias em todos os dias da expedição. 

Verifique também quantos dias dura a expedição, o ideal é que sejam 6 ou 7 dias (a minha foi de sete). Quanto mais dias, melhor. Se for muito barato por que são apenas 4 ou 5 dias, há grandes chances de você não se aclimatar e passar mal na subida. O barato sai caro! 

Quando estamos pagando toda a parte terrestre para a agência, é realmente pesado e a gente se pergunta por que é tão caro. Afinal, com essa grana dá pra fazer muitas outras viagens. Mas, uma vez lá, a gente se dá conta do trabalho que dá levar essa galera pra montanha e garantir o bem estar de todo mundo. 

A minha agência, a Morgado Expedições, trabalha com a Everlasting Tanzania como operadora, e o serviço de ambos foi impecável. meu dinheiro foi muito bem usado. A parte terrestre (você pode ver aqui todos os detalhes) custa 4300 dólares. Porém, somando a caixinha para os carregadores, a pasagem aérea, os equipamentos que precisamos comprar, e alguns outros extras (como alimentação no hotel antes e depois da expedição), gastamos em torno de 6 mil dólares por pessoa. 

  • Expectativa: a viagem mais cara da vida, mais um motivo pra eu ter que conseguir chegar no cume a todo custo
  • Realidade: infraestrutura perfeita, comida maravilhosa, assistência integral de guias e cozinheiros, sentimento de acolhimento. Vale a pena guardar essa grana e abdicar de outras viagens se é algo que te anima. Não deixe pra muito depois se você consegue guardar esse dinheiro agora. 

Preparação física

“E aí, você está preparada fisicamente?”, “Que tipo de treino você está fazendo?”, essas foram as duas perguntas que mais ouvi quando contava para as pessoas que iria pro Kilimanjaro, então acho que é uma das maiores preocupações de quem pensa em ir. Não há dúvida de que é preciso estar acostumado com uma rotina de exercícios para encarar esse trekking. Eu já corria há alguns anos e continuei meus treinos de 3x por semana normalmente (fiz uma meia maratona cerca de um mês antes, então fiz alguns treinos mais pesados, mas geralmente corro de 6 a 10km), já que corrida é o exercício mais recomendado. Não há como preparar o corpo pra altitude, mas dá pra preparar para as longas caminhadas. A agência recomenda pelo menos 3 meses de treino pra quem não esta fazendo nada, mas eu acho que é preciso mais que isso. Lembre-se de que você estará caminhando em terreno irregular, sempre subindo, com mochila nas costas e temperatura variando bastante. Assim que você decidir ir pro Kilimanjaro, comece a se exercitar. 

  • Expectativa: sabia que seria cansativo, mas achava que estava bem preparada por causa das corrida
  • Realidade: gostaria de ter aumentado a frequência dos treinos de corrida para 4 vezes por semana, pelo menos por uns 3 meses antes da viagem. Também deveria ter ido caminhar com a mochila ladeira acima! 

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Kilimanjaro

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Heloisa Righettohttp://www.aprendizdeviajante.com
Heloisa Righetto mora em Londres desde 2008 e é autora do Guia de Londres - Para Iniciantes e Iniciados. Escreve o blog www.helorighetto.com desde 2003. Siga @helorighetto no Twitter e no Instagram @helorighetto e no Google Plus + Heloisa Righetto

7 COMENTÁRIOS

  1. Ótimo post!!
    Tenho muita vontade de fazer o Kili tb, e a minha principal preocupação é se eu estaria fisicamente preparada pra isso… E acho que é o tipo de coisa que a gente só descobre indo, né? Obvio que pra isso tem que se preparar, mas não tem como prever o fator altitude antes de estar na situação… Quantas pessoas tinha no total no seu grupo? Mais de 20, né? Todo mundo conseguiu?

    To adorando os videos do Martin!!

    🙂

    Beijo!

  2. Desses itens, a única coisa que me impede, neste momento é o dinheiro. De resto tudo ok 🙂 Precisaria de um shampoo seco bem potente para dar conta dos meus curtos, porém oleosos fios de cabelos hehehe. Mas se eu guardar 250 dólares por mês ou 500 consigo bancar uma viagem dessas em 1 ou 2 anos. É de se pensar 🙂 Quem sabe não me dou de presente depois do Caminha Francês até Santiago!

    Uma viagem dessas é daquelas que a gente não pode decidir do dia pra noite. É daquelas viagens que a gente vai planejando e realizando antes dela acontecer. Gosto disso pela simples sensação de sentir que não é apenas uma viagem, mas sim um projeto de vida que tem o começo, meio e fim sentido com toda a intensidade que merece.

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